sábado, 23 de janeiro de 2010

Sobre o Ateísmo do Marquês

Na obra Filosofia na Alcova do Marquês de Sade podemos encontrar um panfleto intitulado: "Franceses, mais um esforço se quereis ser republicanos", que consiste em um ataque feroz aos costumes e tem como principal objetivo a fundação de uma república. Para que o novo regime seja instituído é necessário que novos valores sejam fundados. Desconstrói todos os valores vigentes e sob as ruínas esboça uma sociedade monstruosamente livre, igualitária e fraterna.

Neste brevíssimo texto analiso o seu método para destruir Deus.

A religião base da moral e dos costumes é a primeira ameaça a ser combatida, pois suas leis não servem a implantação da distopia sadeana que tem como principal objetivo realizar os ideais da Revolução Francesa. Deus não está morto detecta o marquês, Ele está solto e é ampla e contraditoriamente representado nas religiões. Para combatê-lo, esboça um método que tem como principal instrumento o escárnio, este irá pô-lo definitivamente em sua cova. Será preciso ridicularizá-lo, desnudá-lo através do deboche, pois não existiriam argumentos para provar a existência ou tentar salvar algo que julgava tão absurdo. Para nosso celerado não adiantaria destruir os templos, nem se armar de todos os martelos,
"os sarcasmos de Juliano prejudicaram mais a religião cristã do que os suplícios de Nero" (Filosofia na Alcôva, Sade. 2003Pág 66)
A virtude cristã será destruída através da acidez corrosiva da fina ironia.

O texto sadeano é guloso, talvez o seu principal recurso estilístico seja a paródia, estratégia literária que reúne em um só texto dois discursos ambíguos e complementares, a paródia é essencialmente crítica e subversiva, nela Sade brinca com o idealismo sentimental típico dos heróis virtuosos educando-os à libertinagem, fazendo com que eles reconheçam a lei do prazer. Através da paródia um discurso comum é subvertido e elevado as últimas conseqüências.

É em tom de riso debochado que as opiniões que servem de elemento fundante para as religiões cairão por si mesmas,
"tendo em vista que cada povo considera a sua religião a melhor, e estas provas estariam pautadas sobre uma infinidade de provas discordantes e contraditórias, por isso nenhuma delas agradaria mais a Deus, já que ele nem existe."
Segundo Roland Barthes,
"há na linguagem de deboche um princípio de delicadeza, cujo fundamento repousa nos gostos, nos caprichos, nas fantasias". Essa delicadeza conclui Barthes: é pura perversão.


por Cristóvão Sant'Anna