segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Álbum de Família

(Apaga-se o palco, emudece o speaker: ilumina-se uma nova cena – ângulo de dormitório de colégio. Cama de grades; deitadas lado a lado – Glória e Teresa, ambas em finíssimas camisolas, muito transparentes. São meninas que aparentam 15 anos. Há entre as duas um ambiente de idílio.)

Teresa – Você Jura?

Glória – Juro.

Teresa – por Deus?

Glória - Claro!

(NOTA IMPORTANTE: é preciso que se observe um desequilíbrio entre as duas: o sentimento de Teresa é mais ativo, mais absorvente; ao passo que Glória, embora admitindo o Idílio, resiste mais ao êxtase).

Teresa – Então, quero ver. Mas, depressa que a irmão pode vir.

Glória (erguendo a cabeça) – Juro que...

Teresa (retificando) – Juro por Deus...

Glória – Juro por Deus ...

Teresa – ... que não me casarei nunca...

Glória – ... que não me casarei nunca...

Teresa – ... que serei fiel até à morte.

Glória – ... que serei fiel até a morte.

(Pausa. As duas se olham. Teresa encosta o nariz no rosto de Glória, amassa o nariz no rosto de Glória).

Teresa – E que nem namora.

Glória – E que nem namoro.

Teresa (apaixonada) – Também juro por Deus que não me casarei nunca, que só amarei você, e que nenhum homem me beijará.

Glória (menos trágica) – Só quero ver.

Teresa (trêmula) – Segura na minha mão assim. (olhando-a profundamente) Se você morrer um dia nem sei!

Glória – Não fala bobagem!

Teresa – mas não quero que você morra, nunca! Só depois de mim. (com uma nova expressão, embelezada) Ou então, ao mesmo tempo, juntas. Eu e você enterradas no mesmo caixão.

Glória – Você gostaria?

Teresa (no seu transporte) – seria tão bom, mas tão bom!

Glória (prática) – Mas no mesmo caixão não dá – nem deixam!

Teresa (sempre apaixonada) – Me beija!

(Glória beija na face com certa frivolidade).

Teresa – Na boca!

(beijam-se na boca; Teresa de forma absoluta).

Teresa (agradecida) – Nunca nos beijamos na boa – é a primeira vez!

Glória (como se experimentando o gosto do beijo) – Interessante!

Teresa (um pouco inquieta) – Gostou, mas muito?

Glória – Na boca é diferente, não é?

Teresa – Você vai-se esquecer de mim!

Glória (frívola) – Boba!

Teresa (arrebatada) – Você nunca encontrará alguém que te ame como eu – duvido!

Glória – Então, não sei?

Teresa (sempre com iniciativa) – Me beija outra vez...

(depois de um beijo longo)

Glória (sem saber se gostou ou não) – Teus lábios são frios, quer dizer – molhados.

Teresa – Lógico. É a saliva...

(Apaga-se a pequena cena do dormitório)


 

Nelson Rodrigues é um caso antigo, desde os doze.

Nenhum comentário:

Postar um comentário