(Apaga-se o palco, emudece o speaker: ilumina-se uma nova cena – ângulo de dormitório de colégio. Cama de grades; deitadas lado a lado – Glória e Teresa, ambas em finíssimas camisolas, muito transparentes. São meninas que aparentam 15 anos. Há entre as duas um ambiente de idílio.)
Teresa – Você Jura?
Glória – Juro.
Teresa – por Deus?
Glória - Claro!
(NOTA IMPORTANTE: é preciso que se observe um desequilíbrio entre as duas: o sentimento de Teresa é mais ativo, mais absorvente; ao passo que Glória, embora admitindo o Idílio, resiste mais ao êxtase).
Teresa – Então, quero ver. Mas, depressa que a irmão pode vir.
Glória (erguendo a cabeça) – Juro que...
Teresa (retificando) – Juro por Deus...
Glória – Juro por Deus ...
Teresa – ... que não me casarei nunca...
Glória – ... que não me casarei nunca...
Teresa – ... que serei fiel até à morte.
Glória – ... que serei fiel até a morte.
(Pausa. As duas se olham. Teresa encosta o nariz no rosto de Glória, amassa o nariz no rosto de Glória).
Teresa – E que nem namora.
Glória – E que nem namoro.
Teresa (apaixonada) – Também juro por Deus que não me casarei nunca, que só amarei você, e que nenhum homem me beijará.
Glória (menos trágica) – Só quero ver.
Teresa (trêmula) – Segura na minha mão assim. (olhando-a profundamente) Se você morrer um dia nem sei!
Glória – Não fala bobagem!
Teresa – mas não quero que você morra, nunca! Só depois de mim. (com uma nova expressão, embelezada) Ou então, ao mesmo tempo, juntas. Eu e você enterradas no mesmo caixão.
Glória – Você gostaria?
Teresa (no seu transporte) – seria tão bom, mas tão bom!
Glória (prática) – Mas no mesmo caixão não dá – nem deixam!
Teresa (sempre apaixonada) – Me beija!
(Glória beija na face com certa frivolidade).
Teresa – Na boca!
(beijam-se na boca; Teresa de forma absoluta).
Teresa (agradecida) – Nunca nos beijamos na boa – é a primeira vez!
Glória (como se experimentando o gosto do beijo) – Interessante!
Teresa (um pouco inquieta) – Gostou, mas muito?
Glória – Na boca é diferente, não é?
Teresa – Você vai-se esquecer de mim!
Glória (frívola) – Boba!
Teresa (arrebatada) – Você nunca encontrará alguém que te ame como eu – duvido!
Glória – Então, não sei?
Teresa (sempre com iniciativa) – Me beija outra vez...
(depois de um beijo longo)
Glória (sem saber se gostou ou não) – Teus lábios são frios, quer dizer – molhados.
Teresa – Lógico. É a saliva...
(Apaga-se a pequena cena do dormitório)
Nelson Rodrigues é um caso antigo, desde os doze.